sexta-feira, 14 de novembro de 2008

DESABAFO DE UMA PROFESSORA

REPASSANDO...

Para a população em geral, pais em particular

Vamos ver se nos entendemos... E se nos entendem!!

Se há algo que classifica a classe docente é a sua heterogeneidade. São cerca de 140/150 000 desde o pré-escolar ao Ensino Secundário, em todos os grupos disciplinares (das ciências às letras, passando pelas artes e tecnologias...), de várias gerações, opções ideológicas e partidárias e posturas de vida. Há os formados por universidades, pelos antigos magistérios, pelos politécnicos. Em princípio, actualmente, todos com formação pedagógica. Como todas as profissões há os que estão nela por vocação, outros por opção e outros porque calhou... Haverá os excelentes, os bons e os menos bons...

Com tanta diversidade não poderão ser, com certeza, todos "burros" ou ingénuos (que se deixam manipular facilmente), preguiçosos (que não querem é trabalhar) nem inconsequentes (que não querem ser avaliados de forma nenhuma pelo trabalho que fazem).

Os professores têm mantido de pé o Sistema Educativo Nacional todos estes anos. Para além de todo o trabalho docente quotidiano, têm levado a cabo iniciativas, projectos inovadores, trabalhosos, têm movimentado comunidades inteiras em torno de vários propósitos. Têm uma capacidade de adaptação ímpar, que lhes permite mudar de ambiente físico e humano (as escolas/agrupamentos) todos os anos, adaptar-se às mais difícies condições (Condições das escolas, viagens longas, afastamento das famílias...), dar muito do seu tempo em reuniões intermináveis, em preparação de material e/ou aulas, correcções, avaliações, etc. e tudo têm aguentado, com mais ou menos bom humor, mas sempre com motivação, vontade de fazer mais e melhor. Claro que também há dos outros, os que fazem o mínimo e que muitas vezes têm permanências fugazes no sistema. Mas não foi com esses, com as histórias desses que se chegou até aqui!!

Mas então, porque é que agora há tanta unidade na classe?? Porque é que 120 000 se dão ao trabalho de gastarem um sábado para virem mostrar a sua revolta? Porque é que estão todos desmotivados, porque é que os que podem, estão a sair do sistema?

Não é verdade que os professores não querem o BEM do ensino, a melhoria da sua qualidade. Muito pelo contrário. Pode-se dizer que quem se dá ao "trabalho de contestar" geralmente são os que são mais construtivos, mais empenhados, enfim os mais preocupados em melhorar o Sistema e a qualidade do Ensino. Por isso é necessário desmontar alguns argumentos:

Os docentes não querem ser avaliados!!! NÃO É VERDADE!!!
Se calhar haveria alguns docentes que preferiam não o ser, mas serão uma minoria residual. Para além do argumento de que, por estarem em contacto com o público, são avaliados todos os dias, a maior parte dos BONS Professores quer ser avaliado, quer ver o seu trabalho reconhecido. Mas quer uma valiação justa, que seja um complemento natural ao desenvolvimento da sua função principal - a educação e ensino - e não que se tranforme na principal função da escola e dos professores (avaliarem-se uns aos outros).
Os docentes querem uma avaliação que de facto reconheça o trabalho de quem o faz bem, mas cuja função principal não seja fazer distinções absurdas ou criar rivalidades, mas melhorar as práticas de todos, resultando numa efectiva melhoria do ensino praticado (e não só do que fica registado!!!).

O actual modelo de avaliação é o único que garante a excelência e promove a melhoria da actuação dos docentes!!! NÃO É VERDADE!!!
O actual modelo promove a não partilha entre os docentes, promove o facilitismo (porque a melhoria dos resultados escolares vai contar), promove o mau ambiente entre colegas (porque o colega do lado é o avaliador ou é aquele que pode roubar a oportunidade de ter o excelente!!!), promove o desvio de atenções dos problemas do ensino e dos alunos. Promove o acumular de papéis e registos, burocracias, acabando por promover, não os melhores docentes, não a prática pedagógica, mas os melhores organizadores de dossiers, os melhores burocratas.... Não respeita a diversidade, nomeadamente entre os diversos níveis de ensino, promove um olhar meramente "quantitativo" dos resultados dos alunos, não valorizando a avalição qualitativa e os progressos individuais, particularmente importantes na educação pré-escolar e Educação Especial. Sabem que os professores avaliadores poderão ter que faltar às suas aulas - ficando eventualmente os professores subsitutos - para observarem as aulas dos outros colegas??
Também não é verdade que as hipóteses são "ou este ou nenhum", nem que ninguém apresentou outras propostas... Jás as vi da parte dos sindicatos, em blogs de professores com formação específica na área, até em jornais....


Os docentes não querem cumprir o seu horário, não querem estar na escola!!! NÃO É VERDADE!!!
O horário dos professores tem uma componente lectiva (as aulas) e outra não lectiva. Em alguns grupos, com o avançar da carreira, a componente lectiva vai diminuindo, mas, em consequência a não lectiva aumenta, porque o horário dos professores é sempre de 35 horas. Os professores não se têm queixado por os fazerem cumprir o horário!!! As denuncias referem-se a que actualmente, com reuniões atrás de reuniões, discussões,de grelhas etc. têm-se cumprido horários de 50 ou mais horas semanais!!! E estas horas não têm sido em proveito do trabalho com os alunos, têm sido todas em torno da avaliação dos Professores!!! A maior parte dos professores já passava muito tempo na escola. Mas também é necessário ver que parte do trabalho destes (da componente não lectiva) não tem que ser feito necessariamente na escola, e que até esta nem sempre tem condições para tal. Preparar material didáctico, planificar, corrigir e avaliar são actividades docentes que se podem fazer noutos locais. Mas acresce a tudo isso, as reuniões de docentes, de pais, etc. A preparação de projectos de equipas diversos, os trabalhos com a comunidade, os atendimentos, etc. E para fazere cumprir quem não cumpre(que os há, em todas as profissões...), talvez seja mais eficaz exigir a execução de determinadas tarefas (nomeadamente a quem tem horários lectivos reduzidos) do que exigir o estar na escola, só por estar!!!

Os docentes não sabem o que querem e são manipulados pelos partidos e sindicatos!!! NÃO É VERDADE!!!
Isto é altamente ofensivo para os docentes!!! Há docentes que no final de uma carreira nunca tinham feito uma greve ou participado numa manifestação e que foi com muio sacrifício que participaram agora. Há docentes de todos os quadrantes políticos (muitos do partido do governo), sindicalizados ou não. Há muitos docentes que se manifestam precisamente porque estão sentir que estão a ser levados - pelas leis e regulamentações emanandas pelo ministério) - para um caminho com que não concordam - o da burocratização do ensino. Os docentes são quem mais sabe, no âmbito teórico e prático, de ensino, das escolas, do pulsar do sistema. São quem está presente para sentir o clima que se vive, o que se está a passar nas escolas. São quem está a sentir que não consegue cumprir a sua função essencial - educar/ensinar, preparar e avaliar esse processo - porque está atulhado em papéis, grelhas, reuniões e discussões que nada trazem de melhoria para o sistema ou para a melhoria da sua prática pedagógica.


Os docentes estão contra o princípio das aulas de substituição!!! NÃO É VERDADE!!!
Os docentes consideram ser útil que haja professores para substituirem os que faltam, pois todas as pessoas podem ter que faltar (há doenças, consultas, assuntos familiares...). è óptimo que haja essa possibilidade e que oa alunos não percam aulas... Só que o sistema não coloca professores suficientes - cada vez o rácio prof/alunos e maior - para que tal aconteça com normalidade, para que haja professores das várias áreas para fazer essas substituições com rigor científico. E coloca docentes para prestar apoios educativos a determinadas crianças com dificuldades, que vão depois fazer substituições e por isso passam o ano sem dar apoio a essas crianças... E mascaram as estatísticas do númeor de aulas dadas efectivamente, sem fazer distinção das que foram dadas pelo professor titular da disciplina das que foram dadas pelos professores substitutos. Isto é garantir a excelência???

É VERDADE que os docentes estão contra a divisão da carreira em duas categorias (titulares e professores), pois isto não traz mais valia nenhuma para o ensino, é injusta, vem criar mais divisões na classe, levando, mais uma vez a uma competitividade negativa entre colegas, afectando inevitavelmente o clima de escola, que é essencial para o desenrolar de um bom ano lectivo e normal processo educativo. Quem sabe dizer então qual a influência positiva para o ensino?

Por favor, não se deixem vocês, Encarregados de Educação e comunidade em geral, manipular pelos argumentos obviamente demagógicos da parte do Ministério. Procurem saber na vossa escola quais os argumentos dos docentes, procurem saber o que se está a passar. Procurem saber junto dos vossos filhos como está a correr o ano lectivo. Esta luta não é política. Acreditem que a maior parte dos docentes quer trabalhar para a melhoria da educação em Portugal, quer ser avaliada, quer resolver os problemas das escolas e das famílias (nomeadamente o das faltas de professores), mas não a qualquer custo!!! Principalmente não a custo do clima das escolas e da qualidade educativa!!!

Lígia Nogueira

2 comentários:

  1. Com estas peripécias todas um dia destes até nos obrigam a controlar o vizinho do lado sob o efeito de uma nova moda ou sob um pretexto de uma avaliação qualquer… assim vai a nossa Educação e a educação de todos os que têm que lidar com uma Educação como esta… penso que enquanto houver professores coligados a partidos políticos e a ética social for a que está diante dos nossos olhos haverá sempre o que os nossos olhos apreciam…

    Gostei de cá estar, como sempre!

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  2. Concordo com tudo o que referiu.Se bem que o escrevesse em novembro de 2008, estamos em 2010 e a situação descrita mantém-se. Também sou professora e gosto da minha profissão.É que gosto mesmo!Sinto uma ternura enorme por aqueles jovens grandes como adultos mas imaturos.Eles sonham e eu gostaria que vivessem num mundo melhor. Não lhes roubo o sonho.Procuro nos textos que lhes dou ,explorar as coisas positivas da vida, os sentimentos saudáveis.
    Sei que este trabalho é importante.Pena é que estes senhores dos gabinetes não saibam das realidades.Pena é que não oiçam quem trabalha nas escolas, quem chega a meados de agosto e ainda não desligou completamente de um ano de trabalho e quando começa a descansar já tem setembro à porta.
    Gosto do ensino e não trabalho para estes senhores
    dos gabinetes,mas para os meus alunos.Só eles me importam. Podem inventar as avaliações que quiserem, avaliem-me se quiserem, eu não me preocupo nada com isso, porque trabalho apenas para os meus alunos.

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